terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Brasileiro rico




 SE VOCÊ QUISER ENCONTRAR UM BRASILEIRO com motivos para estar feliz com a última década, e otimista quanto ao futuro, procure entre os proprietários de terras. Entre 2003 e 2012, o preço médio do hectare no Brasil pulou de R$ 2.280 para R$ 7.470. Foi um crescimento de 227%, o dobro da inflação registrada no mesmo período. De 2008 a 2012, a terra bateu investimentos tradicionais como o ouro, o dólar e a bolsa de valores. A valorização é mais forte no Norte e no Nordeste, principalmente nos Estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Mas também é grande a procura em certas regiões de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Dentre as causas para o superaquecimento do mercado de terras está o crescimento do agronegócio, que tem auferido grandes lucros no mercado internacional com a exportação de commodities como soja, milho e algodão, além do crescente apetite mundial pelo etanol. Mas o fenômeno nem de longe se restringe ao Brasil.


Um levantamento feito pelo ONG International Land Coalition mostra que entre os anos 2001 e 2011 cerca de 80 milhões de hectares de terra ao redor do mundo foram objeto de alguma forma de negociação. Outros levantamentos apresentam números diferentes. O Banco Mundial, num relatório de 2010, falava em 56 milhões de hectares. Já a ONG britânica Oxfam, num levantamento realizado em 2012, estimava o total em 100 milhões de hectares.
Quaisquer que sejam os números corretos, os diversos levantamentos descrevem o mesmo processo: a corrida do capital internacional para realizar grandes aquisições de terras. O fenômeno ficou conhecido pela expressão inglesa land grab e tem como principal cenário países pobres ou em desenvolvimento da Ásia, da América Latina e, principalmente, da África.
Lá fora, o fenômeno do land grab já é motivo de preocupação. O presidente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano, declarou, ano passado, que a ação dos grandes compradores de terra na África se assemelha “ao velho Oeste”. “Não podemos mandar estas companhias embora, mas precisamos encontrar uma maneira de limitar a ação delas”, disse. “Precisamos de um xerife que instaure a lei.”
No Brasil, a crescente aquisição de terras pelo capital internacional já chamou a atenção de setores da academia. Desde 2010 o geógrafo Bernardo Mançano, do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp em Presidente Prudente, estuda a “estrangeirização do espaço agrário brasileiro”.
Mançano aponta alguns elementos contextuais para entender o processo que está ocorrendo em escala mundial. “Até agora, a terra tem sido usada para produzir alimentos e fibras. Com a mudança da matriz energética, que está em andamento, a agricultura vai servir para produzir também energia. A biomassa vai ter um papel importante para atender o consumo de energia no planeta. Isso vai gerar um impacto enorme, não só sobre a agricultura, mas sobre a relação entre campo e cidade”, analisa.
Como parte dessa mudança do uso da terra, governos e empresas das mais diversas nações estão buscando caminhos para ampliar a produção agrícola. Só que, nos países desenvolvidos, toda a área agricultável já está ocupada, não há mais terras disponíveis que possam ser incorporadas ao sistema produtivo. Daí a opção por buscar nações que ainda têm terras em estoque. “Isso está mudando a configuração fundiária do mundo, e vai impactar a pequena agricultura. Eles querem é produzir commodities em larga escala para exportação”, diz Mançano.
A preocupação da China com o próprio futuro é outro fator importante nesse contexto, destaca Sérgio Leite, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e também estudioso da estrangeirização do campo brasileiro. “A China vive um aumento no consumo de carnes e de soja. Ao mesmo tempo, está ficando difícil expandir a atividade agrícola internamente, pois o preço da terra está subindo, devido ao desenvolvimento [econômico]”, diz. “Por isso, o governo está seguindo a política de buscar áreas em outros países, a fim de plantar alimentos para atender sua população.”

Segundo Leite, a China é um dos principais atores agindo nas aquisições de terra no campo brasileiro. Além dela, outras nações asiáticas, como Índia, Coreia e países árabes têm feito investimentos importantes. “É o que ocorre também na África, onde muitas das aquisições estão sendo feitas pelo capital asiático”, afirma. Mas a lista de países cujas empresas estão agindo por aqui é muito maior.

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