SE VOCÊ QUISER ENCONTRAR UM BRASILEIRO com motivos para estar feliz com a última década, e otimista quanto ao futuro, procure entre os proprietários de terras. Entre 2003 e 2012, o preço médio do hectare no Brasil pulou de R$ 2.280 para R$ 7.470. Foi um crescimento de 227%, o dobro da inflação registrada no mesmo período. De 2008 a 2012, a terra bateu investimentos tradicionais como o ouro, o dólar e a bolsa de valores. A valorização é mais forte no Norte e no Nordeste, principalmente nos Estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Mas também é grande a procura em certas regiões de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Dentre as causas para o superaquecimento do mercado de terras está o crescimento do agronegócio, que tem auferido grandes lucros no mercado internacional com a exportação de commodities como soja, milho e algodão, além do crescente apetite mundial pelo etanol. Mas o fenômeno nem de longe se restringe ao Brasil.
Um levantamento feito pelo
ONG International Land Coalition mostra que entre os anos 2001 e 2011 cerca de
80 milhões de hectares de terra ao redor do mundo foram objeto de alguma forma
de negociação. Outros levantamentos apresentam números diferentes. O Banco
Mundial, num relatório de 2010, falava em 56 milhões de hectares. Já a ONG
britânica Oxfam, num levantamento realizado em 2012, estimava o total em 100
milhões de hectares.
Quaisquer que sejam os
números corretos, os diversos levantamentos descrevem o mesmo processo: a
corrida do capital internacional para realizar grandes aquisições de terras. O
fenômeno ficou conhecido pela expressão inglesa land grab e tem como principal
cenário países pobres ou em desenvolvimento da Ásia, da América Latina e,
principalmente, da África.
Lá fora, o fenômeno do land
grab já é motivo de preocupação. O presidente da Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano, declarou, ano passado, que
a ação dos grandes compradores de terra na África se assemelha “ao velho
Oeste”. “Não podemos mandar estas companhias embora, mas precisamos encontrar
uma maneira de limitar a ação delas”, disse. “Precisamos de um xerife que
instaure a lei.”
No Brasil, a crescente
aquisição de terras pelo capital internacional já chamou a atenção de setores da
academia. Desde 2010 o geógrafo Bernardo Mançano, do Departamento de Geografia
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp em Presidente Prudente, estuda a
“estrangeirização do espaço agrário brasileiro”.
Mançano aponta alguns
elementos contextuais para entender o processo que está ocorrendo em escala
mundial. “Até agora, a terra tem sido usada para produzir alimentos e fibras.
Com a mudança da matriz energética, que está em andamento, a agricultura vai
servir para produzir também energia. A biomassa vai ter um papel importante
para atender o consumo de energia no planeta. Isso vai gerar um impacto enorme,
não só sobre a agricultura, mas sobre a relação entre campo e cidade”, analisa.
Como parte dessa mudança do
uso da terra, governos e empresas das mais diversas nações estão buscando
caminhos para ampliar a produção agrícola. Só que, nos países desenvolvidos,
toda a área agricultável já está ocupada, não há mais terras disponíveis que
possam ser incorporadas ao sistema produtivo. Daí a opção por buscar nações que
ainda têm terras em estoque. “Isso está mudando a configuração fundiária do
mundo, e vai impactar a pequena agricultura. Eles querem é produzir commodities
em larga escala para exportação”, diz Mançano.
A preocupação da China com
o próprio futuro é outro fator importante nesse contexto, destaca Sérgio Leite,
professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e também
estudioso da estrangeirização do campo brasileiro. “A China vive um aumento no
consumo de carnes e de soja. Ao mesmo tempo, está ficando difícil expandir a
atividade agrícola internamente, pois o preço da terra está subindo, devido ao
desenvolvimento [econômico]”, diz. “Por isso, o governo está seguindo a
política de buscar áreas em outros países, a fim de plantar alimentos para
atender sua população.”
Segundo Leite, a China é um
dos principais atores agindo nas aquisições de terra no campo brasileiro. Além
dela, outras nações asiáticas, como Índia, Coreia e países árabes têm feito
investimentos importantes. “É o que ocorre também na África, onde muitas das
aquisições estão sendo feitas pelo capital asiático”, afirma. Mas a lista de
países cujas empresas estão agindo por aqui é muito maior.
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